O Verão Chegou

O Verão chegou e com ele a nossa pretensão constante de comermos comidas leves e bebermos bebidas refrescantes. E o vinho não foge à regra. Queremos bebê-lo fresco e queremos senti-lo leve no palato sem ser opressivo e sem esmagar o gosto dos alimentos que também se querem leves e suaves.
Wine glass
No entanto e em Portugal com o advento do turismo e com o crescente número de visitantes no nosso país vemos cada vez mais pessoas beberem rosé ou até vinho branco com 1 ou 2 cubos de gelo no copo.

Os Portugueses ficavam perplexos ao início com esta situação habituados a conferir um caracter quase sagrado à ingestão dos seus vinhos. Em conversas de café a critica é quase sempre destrutiva e até ridiculariza os uso de gelo: “não percebem nada de vinho”, “querem apenas sentir o fresco”, ou até “para quem bebe vinho barato não faz grande diferença”. Mas será que estão completamente errados? Então e comer bacalhau com vinho branco? Ou peixe grelhado no carvão com vinho tinto? Ou sardinhas com vinho branco?

Em todas as gastronomias temos ideias feitas que foram passadas ao longo de várias gerações e que fazem parte das nossas educações. Quando são questionadas é quase como se o mundo se virasse do avesso.

Talvez uma boa política seja não reprimir, mas educar e depois sugerir algo que permite ao consumidor passar para um uso mais consentâneo com toda a potencialidade do consumo correcto dum bom vinho. Por exemplo em vez de recusar ou dizer que não temos gelo não poderemos oferecer um vinho branco a copo convenientemente refrescado. E convenientemente refrescado não significa temperatura ambiente, mas sim abaixo da mesma; ou seja, se a temperatura média para um branco é de 10ºC não se pode servir o mesmo a essa temperatura no Verão e numa esplanada. O mais aconselhável é servir a 7ºC pois a temperatura ambiente em 10 minutos irá elevar a temperatura deste mesmo vinho.

Por outro lado, imaginemos que o consumidor quer mesmo gelo. Porque não servir o copo de vinho com aqueles cubos de gelo que são vendidos dentro de invólucros e que permitem sentir a frescura do vinho sem acrescentar qualquer diluição proveniente da mistura da água com o vinho? O consumidor continua a pretender o gelo por ser moda ou por estar habituado. Porque não servir vinhos como o Rosé Piscine um vinho feito para ser bebido com gelo e com castas que permitem concentrações aromáticas muito fortes que passam mesmo através do gelo usado no vinho. Por último e se ainda não resultar porque não cubos de gelo grandes que levam mais tempo a derreter e permitem ao consumidor usufruir dos componentes aromáticos e de textura dum bom vinho?

O que quero dizer é que nesta idade em que parece que tudo é relativo e que estamos sempre na moda ao quebrarmos barreiras e tabus, ou conceitos pré estabelecidos, por vezes devemos também dar valor às tradições que se baseiam em milhares de anos de evolução. Dentro delas podemos incluir o gesto clássico de usufruir de um bom vinho durante o Verão ou de um bom charuto desfrutando duma bela paisagem. Hoje temos uma pressa infinita em satisfazer novos nichos de mercado, ou novos escalões etários que pretensamente ocasionam a quebra de velhos hábitos de consumo, sem ter qualquer pretensão de educar ou informar esses mesmos novos consumidores.

Onde nos irá levar este carácter seguidista em relação ao mercado? Será que em não devem existir padrões de consumo de determinados produtos? Será que o cliente é que nos diz quando e como o servirmos? Ou será que também já não temos tempo para informar, educar, sugerir? Ou pura e simplesmente já não queremos saber e por isso oferecemos aquilo que o cliente quer, sem mais demoras? Afinal o que é qualidade de serviço? Simplesmente dar aquilo que o cliente deseja ou elevá-lo sempre que possível a plataformas de consumo mais complexas e sofisticadas?

Creio que a resposta está em escolher educar ou pelo menos recomendar algo que poderá elevar a fasquia da experiência e neste caso da degustação do vinho. Não sugerir por sugerir, mas com um saber fundamentado no conhecimento científico e sensorial de centenas, senão de milhares de anos. Se não estabelecermos alguns padrões então tudo poderá ser potencialmente relativo e não existirá um conjunto de princípios e de conhecimentos que nos poderão servir de baliza para a interpretação parcial da realidade.

Mas para além de tudo isto, as nossas apreciações sobre se o vinho se deve ou não ser servido com ou sem gelo dependem de algo muito simples: o seu gosto pessoal. O meu, passa por disfrutar do vinho de forma a não o vulgarizar, mas simplesmente a tratá-lo como um meio para atingir um estado superior da nossa consciência social. E você?

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